(uma crônica que eu escrevi a algum tempo e que gosto muito)
Acorda. Os olhos não se abrem com aquela rotineira vontade de voltarem a fechar. Afinal, é terça-feira, o melhor dia da semana!
Olha a mulher ao lado, já não é bonita, nem feia, apenas uma pessoa que parece ter sido colocada na sua cama anos atrás - muitas vezes volta à noite e encontra a estátua ali, na mesma posição, tão próxima fisicamente, mas tão distante da sua vida.
Que seja, é o grande dia! Levanta sem nem sentir a velha dor nas costas. Se olha no espelho e, como só faz uma vez na semana, repara em si mesmo, se acha estranho. Demora mais que o normal se arrumando, em busca do resultado menos pior. A melhor roupa, o melhor perfume, o sapato do casamento.
- Uma mancha na camisa! - percebe - Droga!
Sente vontade de acordar a estátua, mas não tem tempo para isso. Apressa-se em se trocar. Não pode se atrasar, não hoje!
O coração começa a bater mais forte. O gel de cabelo, há seis dias esquecido, volta a ser usado.
Não tem café, mas não se importa, o sono de sempre não existe nas terças. Melhor assim, vai para a frente do espelho novamente – retoques finais na obra-de-arte abstrata.
Chegou a hora. É mais um dia de calor insuportável, mas se a temperatura fosse negativa nem perceberia, o suor é frio e as mãos tremem, o corpo todo treme. Sai no corredor e olha as inúmeras portas que mantêm as vidas melhores seguras, e longe da dele.
Parado, em silêncio, espera. Minutos parecem horas.
Barulho de chave! Só pode ser! Não se engana, pois já conhece de cor.
Lá está. Caminham em direção ao elevador, ponto de encontro que o acaso há tempo criou, e pelo qual a coincidência já não se responsabiliza.
Juntos chamam o elevador, as mãos se tocam - um choque percorre a espinha como um arrepio e, pela primeira vez no dia, percebe a alta temperatura. Então ouve:
- Bom dia!
Ele não responde, não consegue, apenas balança a cabeça afirmativamente.
- Calorão, né?
Pensa em muitas respostas... "É."
O maldito elevador chega, logo agora que estavam conversando! Por sorte, o vizinho continua:
- Ter aula nesses dias é um horror! Imagina quem tem que sair assim, super arrumado... bah, o senhor deve ter um empregão!
Ele apenas ri, não sabe se de nervoso ou de feliz pelo outro tê-lo notado.
O elevador chega ao térreo, cada um sai para seu lado.
Ele não consegue parar de sorrir. É maravilhosa a sensação de cumplicidade no crime muito planejado e jamais cometido – a ilusão cheia de veracidade.
As longas horas que passa procurando emprego são muitos menos cansativas nas terças-feiras, com certeza!
tékliterário
Terça-feira
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tékpostado por
Athos Aguiar
lá pelas
17:35
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